quarta-feira, 20 de outubro de 2010
“Que todos sejam um... para que o mundo creia”
“... que todos seja um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
“Este texto do Evangelho de São João nos coloca, com a mente e o coração no Cenáculo, o lugar da Última Ceia, onde Jesus antes da sua Paixão reza ao Pai pelos apóstolos. Logo depois de lhes confiar a Santa Eucaristia, os constituiu ministros da Nova Aliança, continuadores da sua missão de salvar o mundo.
Nas palavras do Salvador emerge o gritante desejo de resgatar a humanidade do espírito e das lógicas do mundo. Ao mesmo tempo, emerge a convicção de que a salvação passa através daquele ser “uma coisa só”, que, ao modelo da vida trinitária, deve caracterizar a experiência cotidiana e as escolhas de todos os seus discípulos.
“Ut unum sint! – Para que todos sejam um!” (Jo 17,21). O Cenáculo é o lugar da unidade que nasce do amor. É o lugar da missão: “... para que o mundo creia!” (ibidem). Não acontece evangelização autêntica sem a plena comunhão fraterna.
Por isso, na tarde do primeiro dia depois do sábado, manifestando-se no Cenáculo aos seus discípulos, o Ressuscitado confirma a estreita ligação entre missão e comunhão, dizendo a eles: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21) e acrescenta: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais não perdoardes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22-23).
E ainda no Cenáculo, no dia de Pentecostes, os apóstolos reunidos com Maria, a Mãe de Jesus, recebem o Espírito Santo, que se manifesta “como um vento impetuoso que veio do céu e encheu toda a casa onde se encontravam, enquanto línguas de fogo ... se dividiam e pousavam sobre cada um deles” (At 2,3). Do dom de Cristo ressuscitado nasce a humanidade nova, a Igreja, na qual a comunhão vence a divisão e a dispersão, geradas pelo espírito do mundo e simbolizadas pela narração bíblica da Torre de Babel: “cada um os escutava falar na sua própria língua” (At 2,6). Tornados uma coisa só pela obra do Paráclito, os discípulos se tornam instrumentos do diálogo e da paz e iniciam a sua missão de evangelizar os povos.
“Para que todos sejam um”. Este é o mistério da Igreja desejado por Cristo. A unidade fundada sobre a Verdade revelada e sobre o Amor não anula o homem, a sua cultura e a sua história, mas o insere na comunhão trinitária, onde tudo o que é autenticamente humano torna-se enriquecido e potencializado.
É este um mistério bem significativo também nesta liturgia, concelebrada por Bispos e Sacerdotes católicos de tradição oriental e de tradição latina. Na humanidade nova, que nasce do coração do Pai e que tem por Cabeça Cristo e vive pelo dom do Espírito, subsiste uma pluralidade de tradições, de ritos, de disciplinas canônicas que, longe de insidiar a unidade do Corpo de Cristo, ao contrário a enriquece dos dons trazidos por cada um. E nela se repete continuamente o milagre do Pentecostes: homens de línguas, tradições e culturas diversas se sentem unidos na profissão da única comunhão, que nasce do Alto.
“Um só corpo, um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação com que fostes chamados” (Ef 4,4). Na realidade dos mártires da vossa Igreja não aparece a realização das palavras do apóstolo Paulo? Ele dizia aos cristãos de Éfeso: “Exorto-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, a andardes de modo digno da vocação com que fostes chamados: com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros com amor, procurando conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,1-3).(...)
“Ut unum sint!” Queremos unir-nos à oração do Senhor pela unidade dos seus discípulos. É uma invocação pela unidade dos cristãos. É uma oração incessante, que se eleva dos corações humildes e disponíveis a sentir, pensar e trabalhar generosamente para que possa se realizar o desejo de Cristo. Desta terra, santificada pelo sangue de inteiras fileiras de mártires, elevo convosco a minha oração ao Senhor para que todos os cristãos voltem a ser “uma coisa só”, segundo o desejo de Jesus no Cenáculo. Possam os cristãos do terceiro milênio apresentar-se ao mundo com um só coração e uma só alma!
Confio este ardente desejo à Mãe de Jesus, que desde os inícios reza com a Igreja e pela Igreja. Possa ela, como no Cenáculo, sustentar-nos com a sua intercessão. Guie-nos sobre a estrada da reconciliação e da unidade, para que em toda parte da terra os cristãos possam finalmente anunciar juntos Cristo e a sua mensagem de salvação aos homens e às mulheres do novo milênio.
Papa João Paulo II